segunda-feira, 1 de junho de 2015

Mapa do acarajé - Plataforma Oyá Digital localiza e traça perfil de 5 mil baianas no Brasil


O nome é meio complicado: Huayetalla Pilar. Idade? 63 anos. Naturalidade: Cusco, Peru. Raça: indígena. Ofício: baiana de acarajé. Ponto de venda: Copacabana. Não sei se o leitor entendeu bem, mas existe uma índia peruana que vive no Rio de Janeiro vendendo acarajé. Como conseguimos localizá-la? Fácil. Em uma espécie de “mapa do acarajé” que será oficialmente lançado em julho, claro, na Bahia.


Inserido em uma plataforma digital na internet, o mapa poderá ser encontrado no endereço www.oyadigital.com.br. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) investiu R$ 100 mil no desenvolvimento do projeto de organização e digitalização do acervo documental e na implantação da plataforma, produzida em parceria com o Instituto Palmares e a Associação das Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo (Abam).

Dona Pilar, a peruana, pode ser encontrada no mapa com mais de 5 mil baianas de acarajé espalhadas pelo Brasil, incluindo as que não são exatamente nascidas na Bahia, como ela. No início da década de 1980, Pilar veio ao Brasil como doméstica de uma família baiana que morava no Rio. Nas férias, vinha à Bahia e adorava comer acarajé em Itapuã, onde aprendeu o ofício. Há 27 anos, vende o bolinho ao lado do Copacabana Palace. Hoje, além de tudo, é filha de Iemanjá e pratica o candomblé. “Pra mexer com o dendê tem que ser assim, né”, indica.

Sonho antigo da Abam, a plataforma dá a mesma visibilidade às baianas. Em um clique, todas podem ser encontradas e têm seus perfis exibidos - de Fátima Solier, que vende o bolinho em Portugal (sim, há muitas baianas que trabalham fora do Brasil), até Mary de Jesus, 44, que desde que se entende por gente ganha a vida fazendo a alegria do paladar dos turistas bem no meio da Praça da Sé. “Tudo o que venha nos unir é importante. Juntas nós temos uma força que não sabemos”, afirmou Mary.



Pesquisa


Montar o projeto foi um exercício de muita pesquisa e paciência, com cruzamento de informações e organização de dados por parte do Iphan. O resultado só foi possível graças aos cadastros da Abam, da Secretaria Municipal da Ordem Pública (Semop) e da Federação do Culto Afro-Brasileiro (Fenacab).  

Antes de virar plataforma digital, uma empresa especializada em tratamento e digitalização de acervos realizou a higienização, classificação, catalogação, acondicionamento e disponibilização do arquivo físico de documentos. “Cruzamos os dados de cadastros que estavam em arquivos físicos, em estado precário. Agora está tudo digitalizado”, explica Maria Paula Adinolfi, antropóloga do Iphan, que esteve à frente do projeto. 

O nome Plataforma Oyá Digital é uma homenagem ao orixá patrono do ofício de baiana de acarajé - Oyá ou Iansã. No total, 5.261 já baianas entraram no cadastro. Além de permitir sua localização em um mapa, a plataforma dispõe de ferramentas de pesquisa para se obter dados de gênero, cor/raça, idade, religião, tipo de produto produzido, grau de escolaridade e até dias e horários que trabalham.  

Mas ainda não é possível traçar os perfis socioeconômicos completos, já que muitas baianas ainda não disponibilizaram todas as informações. Sabe-se, por exemplo, que das mais de 5,2 mil, apenas 240 são homens. Das 116 que até agora declararam sua cor, 69 são pretas, 44 pardas, uma branca, uma amarela e uma indígena - esta última, dona Pilar, claro.

Ferramenta ajuda a retirar baianas da invisibilidade

A plataforma Oyá Digital poderá servir de base para pesquisadores e gestores no planejamento e execução de políticas em benefício das baianas. “É o mesmo desafio da capoeira. São grupos de grande importância cultural, mas que sempre ficaram de fora das políticas públicas”, afirma a antropóloga Maria Paula Adinolfi. O Instituto dos Palmares destacou que o objetivo é “dar visibilidade a um povo invisível”.

“Quebramos, logo de cara, o mito de que baiana de acarajé só tem na Bahia. Depois, trouxemos para primeiro plano pessoas que representam mais que um ofício, um bem cultural”, diz o presidente da entidade, Danilo Moura. Assim, descobrimos baianas de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Tem baiana em Fortaleza, Recife, São Paulo. Países como Portugal, Itália e Holanda também têm baianas de acarajé. Ainda falta cadastrar algumas e buscas informações sobre outras, mas demos o primeiro passo”, disse a presidente da Abam, Rita Santos.

“Agora não tem mais desculpas para não se elaborar políticas para este grupo”, provoca Danilo. A ideia de dar visibilidade a todas agrada a maioria. Até porque, como alguma delas costuma dizer, o acarajé vai muito além do bairro do Rio Vermelho, onde estão as famosas Dinha, Regina e Cira.

Os melhores bolinhos de feijão fradinho fritos no dendê podem ser encontrados em muitas esquinas, alguns conhecidos como “o melhor acarajé da Bahia”. Que tal ir ali na Avenida Sete, na esquina com a Politeama? Angela Maria santos, 57 anos, a Neinha, uma baiana católica que se declara negra e mora em Santa Mônica, faz questão de não contar quantos acarajés vende por dia. “Nunca contei”, disse ela enquanto uma cliente emenda. “É o melhor acarajé da Bahia”.

Acarajés preparados por homens também fazem muita gente salivar só de sentir o cheiro. A iguaria produzida por Luiz Conceição, 54, o Luiz da Mouraria, faz sucesso, mas só em dias úteis. De segunda a sexta-feira, ele vende quase 400 quitutes (diariamente), todos crocantes por fora e macios por dentro. Luiz cobra a bagatela de R$ 2,50 pelo bolinho. “Ganho na quantidade. Quero que o assalariado conheça meu produto”, explicou ele, antes de, da mesma forma, ouvir de um cliente: “é o melhor acarajé da Bahia”. Bom, se for mesmo o melhor da Bahia, certamente é o melhor do mundo.


Profissionais do tabuleiro querem evoluir sem perder a essência

O lançamento da Plataforma Oyá Digital ocorrerá no mesmo dia da criação do Conselho Gestor Baiana de Acarajé que pretende deliberar sobre ações que garantam a preservação deste bem – a data ainda não está definida, mas o certo é que acontecerá em julho.

As duas iniciativas fazem parte das comemorações dos 10 anos de registro do Ofício como Patrimônio Imaterial Brasileiro. “O tabuleiro tem que ser tradicional, mas a inserção na sociedade contemporânea deve ser moderna. A baiana tem que se modernizar”, afirma o professor Jaime Sodré, historiados da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). “Essa plataforma mostra que se pode evoluir sem perder a essência”, completa.

O Iphan, que disponibilizou a verba para a execução do projeto, considera as baianas um elemento fundamental na formação da nossa identidade. “Elas são monumentos vivos que mantêm uma tradição ancestral”, destacou o superintendente do órgão da Bahia, Carlos Amorim.

Homenagem a Iansã

O nome Plataforma Oyá Digital é uma homenagem ao orixá patrono do ofício de baiana de acarajé - Oyá ou Iansã. Além da localização do ponto de venda das baianas (e baianos) em um mapa, a plataforma oferece ferramentas de pesquisa que traçam o perfil socioeconômico e disponibiliza informações que identificam gênero, cor/raça, idade, afiliação religiosa, grau de escolaridade e até os dias e horários em que colocam o tabuleiro na rua. O ofício das baianas de acarajé foi registrado como Patrimônio Imaterial Brasileiro pelo Iphan em 14 de junho de 2005.

Texto: Alexandre Lyrio