Artigo do Arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, publicado no Jornal A Tarde, edição deste domingo (29-06)
"Na noite em que o Iphan entregou à Arquidiocese de São Salvador
da Bahia as chaves da Igreja de São Pedro dos Clérigos (26.06.14), após um
trabalho de restauração que levou cinco anos, fiz algumas considerações em
torno da arte, da arte sacra, dos artistas e da beleza.
1. A arte. Segundo o Papa
São João Paulo II, “toda forma autêntica de arte é, a seu modo, um caminho de
acesso à realidade mais profunda do homem e do mundo; como tal, constitui um
meio válido de aproximação dos horizontes da fé, onde a existência humana
encontra sua plena interpretação” (Carta aos Artistas, 1999). A Igreja, para
transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, tem necessidade da arte. Afinal,
a arte possui uma capacidade própria de captar os diversos aspectos da mensagem
evangélica, traduzindo-os em cores, formas e sons que nos possibilitam fazer
uma profunda experiência do belo.
2. A arte sacra. A arte
sacra é a expressão máxima da arte religiosa. Por sua natureza, está voltada
para a manifestação da beleza divina em formas humanas, para o louvor e a
glória de Deus, não tendo outro objetivo se não o de orientar a mente humana piedosamente
para seu Criador. Ela é um símbolo das realidades do alto.
“A Igreja não tem
nenhum estilo próprio. De acordo com o espírito dos povos, as condições e as
necessidades dos vários ritos e das diversas épocas, admitiu uma grande
diversidade de formas, que constituem hoje o seu tesouro artístico” (SC 123). O
importante é que a arte se ponha a serviço da honra e da dignidade dos templos
e das celebrações religiosas, participando, assim, do concerto admirável de
glória que nossos antepassados entoaram com fé, como o fazem as pessoas da
atualidade.
3. Os artistas. A
atividade dos artistas é um nobre ministério, já que suas obras são capazes de
refletir, de alguma maneira, a beleza infinita de Deus e orientar para Ele a
mente dos homens. Através da arte sacra, o conhecimento de Deus é adequadamente
manifestado e a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito
humano.
Como a igreja sente
necessidade da arte, para ajudá-la a apresentar a rica mensagem - do Evangelho,
ela tem, consequentemente, necessidade dosa artistas. Quando um artista vive
sua fé e expressa por meio de uma obra artística, ele nos ajuda a responder à
pergunta de Jesus Cristo, que percorre os séculos: “E vós, quem dizeis que eu
sou?” (Mt 16,15).
Se a Igreja tem
necessidade da arte e de artistas, tem necessidade também de restauradores. O
restaurador é um artista que, por missão, procura penetrar nos sentimentos do
autor de uma obra, para fazer com que a beleza que nela foi expressa reapareça
novamente.
4. A beleza. “O mundo em
que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza,
como a verdade, traz alegria ao coração dos homens; é esse fruto precioso que
resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração”
(Mensagem do Concílio Vaticano II aos Artistas, 1965).
Dostoiévski afirmou:
“A beleza salvará o mundo”. Contemplando a Igreja de S. Pedro dos Clérigos,
admirando suas linhas, suas expressões de arte e fé, todos concordam com o
escritor russo. Só me resta agradecer aos nossos antepassados que nos
proporcionam tal experiência da beleza.
Se a Igreja sente
necessidade da arte, de artistas e de restauradores, tem necessidade igualmente
de “amigos da arte”. Para mim, amigo da arte é aquele que dá sua contribuição
direta ou indireta para que uma obra artística esteja à disposição de todos.
Como não lembrar os órgãos do Governo ou da iniciativa privada, que colaboram
para a preservação das obras de arte e, particularmente, da arte sacra? Como
não destacar, particularmente, o trabalho do Iphan, para a preservação de nossa
memória artística? Na pessoa de seu Superintendente na Bahia, Dr. Carlos
Amorim, agradeci à direção do Iphan, a seus funcionários e aos restauradores,
que estavam nos permitindo conhecer, em todo o seu esplendor, uma obra tão bela
como a Igreja de São Pedro dos Clérigos.