segunda-feira, 12 de maio de 2014

Tombamento da Casa Branca completa 30 anos

Foto: Fernando Amorim | Ag. A TARDE

A Praça de Oxum, projetada por Niemeyer, só foi possível após a medida de proteção

Há 30 anos a sede da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador, foi palco de uma sessão histórica: a declaração de tombamento do terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká, mais conhecido como Casa Branca, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).


Naquele 31 de maio de 1984, o terreiro ganhou status de patrimônio nacional. Essa declaração mudou os parâmetros sobre os critérios para reconhecimento de um bem como parte da memória e indispensável para a formação da cultura  brasileira.

"Foi uma inflexão no conceito de patrimônio fundado a partir do Decreto 25, de 1937", define Carlos Amorim, superintendente regional do Iphan.

Luta

Quando se vê a estrutura da Casa Branca preservada com uma praça projetada por Oscar Niemeyer  e um gradil modelado por Bel Borba, talvez não se consiga dimensionar o que significou a sessão do tombamento.

"A Casa Branca passava por um perigoso processo de vulnerabilidade. A comunidade chegava a pagar arrendamento ao dono do título de posse da área e um posto de gasolina estava instalado onde hoje está a Praça de Oxum", relata Serra.

De acordo com o antropólogo, o terreiro, que é considerado o mais antigo de nação ketu do Brasil, poderia ter desaparecido. "Em uma das sessões na luta pelo tombamento, o  presidente da sociedade civil do terreiro, Agnelo Pereira, disse que, se derrubaram a catedral da Sé, católica, imagine o que não se faria com um terreiro sem proteção", conta Serra.

Ao lado do arquiteto Orlando Ribeiro de Oliveira, Ordep Serra coordenou uma ação que foi fundamental nessa luta: o Projeto de Mapeamento de Sítios e Monumentos Religiosos Negros da Bahia (MANBA).

O projeto, que contou com o trabalho de especialistas como a arquiteta Márcia Sant´Anna, surgiu de uma sugestão do irmão de Serra que coordenava a Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM): Olympio Serra.


Identificados os patrimônios e seus problemas, o grupo resolveu ousar, afinal, a concepção de patrimônio no Brasil privilegiava apenas construções de inspiração europeia, como igrejas católicas, sobrados e casarões.

Casa Branca em dia de festa de Oxóssi em 1985 (Foto: Cedoc | A TARDE | 07.06.1985)

"O tombamento da Casa Branca foi uma vitória contra o etnocentrismo, o  eurocentrismo e também contra o racismo ", completa Serra.

Uma amostra de como a batalha foi difícil é o resultado da sessão especial de tombamento: três votos a favor; um pelo adiamento;  um  contra e duas abstenções.

Aliás, a atuação de Marcos Vinicios Vilaça, titular do órgão, que na época tinha outro nome -  Sphan - foi fundamental, assim como o papel do antropólogo Gilberto Velho,  relator do projeto.

Claro que tudo só foi possível pela coragem da comunidade da Casa Branca em  aceitar o tombamento quando não havia precedentes. A luta comunitária foi encabeçada pelo presidente da Sociedade São Jorge do Engenho Velho, o ogã Antônio Agnelo Pereira, e de Mãe Teté e outras  sacerdotisas da Casa.

Além disso, a causa ganhou a simpatia e apoio de ialorixás de outros terreiros como Mãe Stella do Ilê Axé Opô Afonjá e Mãe Menininha, do Gantois. Jorge Amado,  Carybé e até  sacerdotes católicos como o abade do Mosteiro de São Bento, dom Timóteo Amoroso Anastácio, também apoiaram a causa.

Conquistas

O reconhecimento da Casa Branca era a oficialização de uma constatação óbvia, mas até então ignorada pelo Estado brasileiro: a construção da identidade nacional tinha contribuição de matriz africana. A partir de então, o caminho estava aberto.

Além da Casa Branca, mais sete terreiros são reconhecidos como patrimônio nacional: Ilê Axé Opô Afonjá (1999); Casa das Minas (2001); Gantois (2002); Bate Folha (2003); Alaketo (2004); Oxumarê (2013) e o Seja Hundé, conhecido como Roça do Ventura, que tem pré-tombamento aprovado desde  2011. Do total de templos afro-brasileiros reconhecidos pelo Iphan, apenas um está fora da Bahia: a Casa das Minas, no Maranhão.

"Nós podemos dizer seguramente que ali houve um divisor de águas na ideia de patrimônio e que sedimentou, inclusive, as decisões sobre imaterialidade e cultura presentes na Constituição de 1988", explica o procurador de Justiça Lidivaldo Brito.

O procurador  foi o primeiro titular da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do Ministério Público da Bahia, pioneira no País.

Brito, que já chefiou o MP baiano, prepara um livro que conta a batalha do povo de santo para obter instrumentos jurídicos de proteção. Intitulada A proteção legal dos terreiros de candomblé - da repressão policial ao reconhecimento como patrimônio histórico e cultural, a publicação será lançada ainda esse ano.

Fonte: Jornal A Tarde – Edição de 12/--5/2014 – Por Cleidiana Ramos