domingo, 5 de julho de 2015

Iphan resgata pintura de José Joaquim da Rocha na Igreja de São Domingos


Uma verdadeira maratona está sendo executada para o resgate histórico da pintura do forro da nave da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos Gusmão, atribuída a José Joaquim da Rocha, maior pintor do barroco brasileiro. O conjunto de edificações e a igreja, pertencentes à Venerável Ordem Terceira de São Domingo Gusmão, localizados no Centro Histórico de Salvador, são os primeiros monumentos baianos a receber investimento do PAC Cidades Históricas, através do Iphan, que contratou serviços técnicos especializados de arquitetura e engenharia, no valor de R$ 7,5 milhões.

A igreja foi construída em 1731 em alvenaria de pedra e tijolo, com fachada rococó e uma torre terminada em bulbo, ficando a outra inconclusa. Já a pintura no forro da nave com 173 metros quadrados, de concepção ilusionista barroca, teria sido executada por volta de 1781, segundo Carlos Ott, autor da publicação intitulada Escola Baiana de Pintura.

As obras de restauração começaram o ano passado e, ao acessar o forro da nave, constataram-se logo os danos no madeiramento e na pintura. O que seria apenas uma remoção de verniz e sujidades, tornou-se um trabalho inédito realizado em Salvador. “Acredito que estamos diante de um momento importante de revalorização e resgate de um raro exemplar da pintura barroca pensada e executada na Salvador do século XVIII”, afirma o coordenador dos trabalhos Júlio Maia, restaurador e artista plástico, especialista em restauração de bens móveis e em gestão e prática de obras de conservação e restauro do patrimônio cultural.

 

Pintura descaracterizada

A representatividade historiográfica que envolvia a pintura encontrada na nave, levou Júlio Maia a solicitar uma avaliação da mestre e doutoranda pela UNICAMP, Mônica Farias, que desde 2006 estuda a pintura de Falsas Arquiteturas em Salvador, especificamente o legado deixado por José Joaquim da Rocha. Já no primeiro encontro e com a obra a poucos centímetros dos olhos, Mônica revela que ficou “abismada com o que via e constou tamanha velação e ocultamento de elementos decorativos e figurativos, bem como incongruências gramaticais de partes arquitetônica e figurativa”.

“Se a pintura da nave da igreja da Ordem Terceira de São Domingos pertence de fato ao José Joaquim da Rocha, teria que ser algo que estava oculto, velado, ou por baixo do que se representava, pois a que estava ali em nada se parecia com a gramática figurativa e paleta artística do pintor”, salienta Mônica. O forro, segundo documentos do século XIX, passou por três intervenções. Bento Capinam foi o primeiro a intervir, o segundo já em 1877, foi Francisco José Rufino de Sales que não concluiu o trabalho sendo chamado para isso José Antônio da Cunha Couto. No século XX também foram feitas intervenções no forro da nave o que descaracterizou a pintura original. 

No processo de restauração muita coisa específica da paleta de José Joaquim da Rocha (re)apareceu, incluindo aí as cores e suas nuances, o efeito de luz e sombra, algumas especificidades figurativas, como vasos de flores, guirlandas, anjos, cartelas, pináculos, fragmentos corporais completos. Partes da malha arquitetônica que emoldura a cenografia central com falhas de traça, repintadas em cores opacas e densas escondendo a volumetria, sacadas descontinuadas, são outras agrúrias encontradas e que puderam, dentro das possibilidades, serem resgatadas.


Encontrada folha de ouro

Outro fato inédito também foi consagrado nesse processo de restauração, que é a utilização do uso do ouro em uma pintura de tetos em Salvador. Até o presente momento essa ocorrência só era registrada em igrejas europeias, em específico as portuguesas. Encontrar a folha de ouro aplicada em uma pintura de forro aqui insere novas leituras e interpretações não somente para a técnica empregada pelo artista, mas pelo nível de financiamento e efeito cenográfico que a Irmandade empregava para a execução da obra alcançar o desejado, que ultrapassava a questão decorativa. Percebe-se a presença do uso do ouro em muitos lugares nesta pintura, uma técnica que coloca o José Joaquim da Rocha em situação de relevância, pois ele era, também, dourador.

Para Mônica, resgatar a obra na sua fiel intimidade e ir o mais próximo da produção primeva, é consolidar uma história que envolve não apenas um nome, mas a relevância desta para a conjuntura de uma época. “As técnicas utilizadas, a consolidação de Salvador como uma Colônia de avançado conhecimento científico para a produção de pinturas de forro, o poder financeiro religioso e, sobretudo, o objetivo Tridentino alcançado pelas Ordens Religiosas, tudo isto está envolvido em uma produção desta tipologia”, ressalta.

“É uma descoberta espetacular”, afirma o superintendente do Iphan na Bahia, Carlos Amorim. Ele disse que a obra estava, e ainda continuará, em algumas partes, descaracterizada pelo excesso de repinturas e restauros inadequados, mas “o que já conseguimos, revelando elementos decorativos, arquitetônicos e figurativos ocultos por camadas densas de tinta e mesmo por critérios de desconhecimento da continuidade da gramática geométrica, já nos fornece uma nova realidade historiográfica à obra”.


Restauração de bens móveis e integrados

Carlos Amorim informou que, além da obra original de José Joaquim da Rocha, foram descobertas ainda pinturas subjacentes nas paredes dos corredores laterais, nas paredes da nave, na parte alta próxima ao forro e nas paredes da capela-mor, no alto ao fundo das sanefas. Na sacristia foram reveladas pinturas escaioladas (imitação de mármore) nas tábuas da cimalha do forro com frisos em prata (coisa rara de se ver), em todas as cercaduras das portas e das janelas, nas molduras das telas. “Todas as pinturas na parte inferior das paredes são de boa qualidade artística”, destaca.

A intervenção proposta na Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos Gusmão contempla a execução de obras que promoverão o restauro dos bens imóveis, dos bens integrados e da imaginária da Arte Sacra, guardadas no interior da igreja e a requalificação dos espaços internos promovendo a acessibilidade universal a todos os seus ambientes internos. Serão também readequadas as instalações elétricas para atender as novas cargas exigidas. “Com as ações elencadas teremos totalmente restaurado um monumento tão importante na composição do quadrilátero do Terreiro de Jesus”, enfatiza Carlos Amorim.

Foto: Aníbal Gondim

Artista completo
Por Mônica Farias

"A presença de José Joaquim da Rocha entre 1764 a 1801, período em que se constata a produção de obras painelistas e de teto, revela como Salvador se configurou com o ensino oficinal e como o importante conhecimento sobre as leis e simbologias cristãs foram essenciais para a formação de um pintor, sobretudo quadraturista.

Rocha demonstra ter sido um artista que vivenciou a essência das culturas Clássica e Barroca, reafirmando conhecimento erudito e de grande relevância dentre os estudos da perspectiva, pois seu domínio sobre as leis científicas, técnicas, formais e religiosas contribuiu para um resultado que o reafirmou como preterido entre as principais Irmandades da época setecentista.

Demonstrou elevado nível de contribuição estética e estilística para os artistas locais, pois o legado de obras que seguem a mesma temática, solução formal e compositiva, evidencia que a atividade artística educacional a qual conduziu na cidade, foi formadora de inúmeros talentos que postergaram obras até o século seguinte (XIX), sendo alguns deles, egressos da fundação da Academia de Belas Artes da Bahia.

Foi um artista completo dentro da sua profissão, pois além de pintor, atuou como dourador, restaurador e mestre artístico pelos modelos medievais (oficinal). Revelou ter sido honrado, bem quisto, amigo, solidário pelas questões sociais e, sobretudo religioso. A imortalização do seu trabalho persistirá enquanto suas obras puderem ser resguardadas e asseguradas pelo patrimônio e por pessoas que entendam a sua importância.

No entanto, em se tratando das obras de forro, merecem atenção especial em face da condição de preservação em que se encontram. O legado artístico de Rocha relativo às obras de Falsa Arquitetura em Salvador compõe, atualmente, o acervo de maior preciosidade para a história da arte brasileira, visto que não há, em qualquer Estado, o número de tetos pintados que possuímos, e não apenas de sua autoria. Sua permanência e zelo implicam diretamente em deixar viva a memória de uma educação científica existente em nível de estrutura pedagógica jamais imaginada nos moldes atuais, motivo pelos quais merecem estar sendo continuado e aprofundado seus estudos.

Admirar o trabalho de José Joaquim da Rocha é mergulhar em um mundo simbólico e cheio de significados. É ser arrebatado pela arte enquanto ciência. É ser partícipe de uma cena litúrgica configurada para educar o olhar e os sentidos do fiel, exatamente como desejava o Concílio de Trento". 

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Fonte e Fotos: Ascom - Iphan - Ba