Uma das
principais obras sacras do barroco brasileiro, a pintura do forro da Igreja da
Ordem Terceira de São Domingos - da segunda metade do século XVIII - está sendo
salva por equipe de restauradores contratada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico Artístico Nacional (Iphan).
A obra
foi pintada por José Joaquim da Rocha, fundador da Escola Baiana de Pintura,
considerado o introdutor no país da técnica da perspectiva em tetos, na qual o
artista pinta um último "patamar" na parte interna da igreja com
abertura para o céu. A área do forro da igreja - localizada no largo do
Terreiro de Jesus, Centro Histórico - é um painel de 173 m², preenchidos com
santos, anjos e elementos típicos do barroco.
É a
primeira restauração feita na obra há décadas, revelando trabalhos anteriores
que deformaram a pintura original. O restaurador Júlio Maia, que lidera a
equipe, disse que ao examinar o forro pela primeira vez em 2014 teve a uma
ideia da extensão do problema.
"A
estrutura de madeira situada entre o forro e o teto estava comprometida, com
infestação de cupins, apodrecimento com ameaça de desabamento, sendo necessária
uma consolidação para que a pintura começasse a ser restaurada", disse.
O forro
foi desmontado, tábua a tábua e a equipe de Maia passou a trabalhar em ateliê
montado num dos salões superiores da igreja. O painel já havia sido restaurado
por pintores famosos do século XIX como Bento Capinam, Rufino Sales e José
Antônio da Cunha Couto.
Depois, outras
foram feitas sem muitas técnicas, que deformaram a obra. Acrescente-se a isso
grossa camada de sujeira acumulada, na qual os restauradores identificaram
entre outras substâncias, "fezes de mosca".
Tudo foi retirado
graças a trabalho meticuloso dos restauradores a golpes suaves de espátulas e
limpeza com chumaços de algodão. "Com a retirada da sujeira, descobrimos
traços de pintura de estilo amador", disse Maia, apontando para a imagem
de um pilar com traço totalmente deformado. "Procuramos restituir o que o
autor pintou," disse.
Folhas de ouro
Um dos achados da
restauração foi o uso de folhas de ouro na pintura. Geralmente, os douradores
do passado utilizavam essa fina película para adornar talhas e molduras. A
mestra em belas artes e doutoranda pela Unicamp Mônica Farias, convidada por
Maia para acompanhar a restauração, se encantou com a descoberta.
"As folhas de
ouro foram usadas para dar volumetria em partes do painel", explicou. O
volume confere noção de profundidade a uma pintura e é um das características
do estilo barroco.
Mesmo o forro do
teto estando a cerca de 17 metros de altura do piso da nave da igreja, será
possível observar os contornos dourados. Mônica disse não conhecer referência
em outra parte do país de uso de folhas de ouro em pinturas sacras do período
barroco.
PAC Cidades Históricas tem requalificado igrejas
famosas
A restauração da
Igreja de São Domingos é a primeira obra na Bahia beneficiada pelo PAC Cidades
Históricas, através do Iphan.
O investimento total
previsto na igreja é de R$ 7,5 milhões para obras de engenharia na estrutura do
templo e a restauração das obras artísticas.
O superintendente
do Iphan na Bahia, Carlos Amorim, explicou que São Domingos foi uma das
primeiras a ser restaurada pela sua relevância histórica dentro da arte sacra
brasileira e por sua localização no Centro Histórico de Salvador.
“Um dos critérios
do programa é, justamente, mostrar à sociedade a importância da obra no
contexto da cidade. As pessoas vão poder visitar a igreja e verificar a
qualidade artística do monumento e também valorizá-lo”, disse.
Ele lembra que
nunca houve uma restauração completa da Igreja São Domingos como está sendo
feita agora, apesar das obras artísticas que ela possui.
Informou que o PAC
Cidades Históricas está promovendo
restaurações na catedral Basílica e na Igreja do Passo, depois de ter executado obra na Igreja dos
Clérigos. Segundo Amorim, o Iphan está preparando também o projeto de restauração
da Igreja da Conceição da Praia, que abriga outra pintura de forro de teto
famosa de José Joaquim da Rocha.
Ele se mostrou
entusiasmado com o trabalho de restauração na Igreja de São Domingos. Lembrou
que, além da descoberta do uso das folhas de ouro na pintura, os restauradores
identificaram os traços do desenho do painel feito por José Joaquim da Rocha
antes de cobrir a pintura.
“Há também dois
quadros lindos do mesmo artista que serão restaurados e poderiam figurar em qualquer museu do mundo pela sua qualidade técnica”. Amorim estima que as obras
da Igreja de São Domingos serão concluídas em dezembro.
O restaurador Julio
Maia pretende entregar a restauração do forro de teto em, no máximo, dois
meses. Ele está com mais de 80% do trabalho prontos e executa a finalização das
últimas tábuas do painel para recolocá-las no local original.
Fonte: Jornal A Tarde - Edição de 19-07, página A6