O investimento, de R$ 12 milhões,
é proveniente do PAC Cidades Históricas, e a previsão de execução é de 18 meses
No mês passado,
enquanto trabalhava no restauro da Catedral Basílica do Salvador, Seu João
tomou um grande susto. Ao abrir o retábulo da capela de Santo Inácio de
Loyola - uma das 12 que compõem a igreja -, o mestre de obras se deparou com 13
crânios humanos sem qualquer identificação aparente. A surpresa mórbida,
que terá a origem investigada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi apenas uma das novidades reveladas
no maior processo de restauração que a Catedral Primacial do
São Salvador, localizada no Terreiro de Jesus, já passou.
Além de crânios, a
riqueza do acervo também se revela à medida que o processo de recuperação,
iniciado em janeiro, avança. O investimento, de R$ 12 milhões, é proveniente do
PAC Cidades Históricas, e a previsão de execução é de 18 meses.
Além de
capelas e altares, imagens sacras estão sendo recuperadas
(Foto: Evandro Veiga) |
O processo de
recuperação inclui a investigação de quantas camadas de tinta as obras
levaram em restaurações anteriores, até chegar às cores originais. “Usamos
bisturi para abrir uma pequena janela nas obras. Uma solução química é aplicada
até chegar ao original”, afirmou a arquiteta Lilian Fabre, uma das responsáveis
pela restauração. Segundo ela, a qualidade da primeira pintura sempre supera a
das que estão por cima.
Aos poucos, os
quadros com imagens de santos jesuítas escurecidos pelo tempo podem ter suas
imagens apreciadas com o trabalho dos operários que atuam das 7h às 17h
no templo.
“É muito
gratificante quando recuperamos um quadro ou descobrimos um desenho embaixo de
outro. Faz com que redobremos o foco do trabalho”, afirmou ontem o restaurador
Samuel Santos, 28.
Emergencial
O cronograma das reformas começou a ser definido há quatro anos, com um
levantamento de seis municípios baianos. “Desses, quatro foram escolhidos para
iniciar o programa. Entre eles, Salvador é o mais importante”, afirmou o
superintendente do Iphan, Carlos Amorim.
Pesquisadores
envolvidos na restauração estudam origem de crânios achados dentro de
retábulo sob altar
(Foto: Evandro Veiga)
(Foto: Evandro Veiga)
Antes de dar início
à recuperação das esculturas e pinturas, primeiro foi necessário
revitalizar a estrutura da igreja. “As paredes estavam com muita infiltração. O
telhado tinha muita vegetação e as calhas estavam entupidas”, explicou Lilian.
“Poderíamos perder o trabalho, se não cuidássemos dessa parte”, continuou a
arquiteta.
A infiltração do
lado esquerdo foi a mais grave, segundo os restauradores. Os azulejos
portugueses que revestem o batistério estão sendo retirados para que a
revitalização seja melhor executada.
Artista plástica e
especialista em azulejos, Zeila Maria Machado comanda um equipe de seis pessoas
especializadas no tratamento das peças, fabricadas em oficinas lisboetas. “É um
trabalho minucioso e difícil por conta da degradação causada pela umidade do
prédio”, explicou.
Gazes foram
aplicadas sobre os azulejos que estão sendo removidos para evitar que trinquem
durante a retirada, feita através de um motor que lembra aquele utilizado por
dentistas.
A catedral passou
por restaurações anteriores, porém, o Iphan não soube informar quantas e
quando. Muitas dessas reformas não respeitaram as características
arquitetônicas nem valorizaram os materiais das obras de artes. “Encontramos
argamassa nos mármores. Até mesmo purpurina foi usada em áreas revestidas de
ouro”, ilustro Lilian Fabre.
A arquidiocese é
apontada como responsável por algumas dessas intervenções sem respaldo técnico.
Entretanto, o padre Lázaro Muniz, pároco da catedral, afirma
que não houve reforma comandada pela Arquidiocese de Salvador. “Não tivemos
intervenções feitas livremente. Todas foram fiscalizadas pelo Iphan”, comenta o
padre.
Em alguns locais, porém, a presença de pinturas sobre folhados de ouro também
tem seu valor histórico. Isso porque o ouro era tão abundante na época que
algumas tintas utilizadas eram, para os restauradores do período, ainda mais
valiosas.
Segundo Lilian,
quando o forro de madeira que recobre o átrio de entrada da basílica foi
retirado, descobriu-se a presença de cupins. Agora ele será trocado por cedro e
pintado de acordo com o original. “Estamos usando os melhores produtos do
mercado”, garantiu.
Restauradora
trabalha para recuperar azulejos de origem portuguesa
(Foto: Evandro Veiga) |
Produtos
Os produtos químicos são trazidos de São Paulo. Folhas de ouro de 23
quilates estão sendo importadas de Florença, na Itália, para recobrir a
igreja.
Onde havia massa
corrida, será aplicada madeira e resina. As esculturas recebem tratamento
individual no atelier hoje implantado na antiga biblioteca dos jesuítas, aos
fundos do altar mor.
O restaurador e
professor mineiro Antonio Fernando dos Santos, um dos mais conceituados do
Brasil, é o responsável pela supervisão do processo.
Responsável pelo
resgate da imagem de Nossa Senhora das Mercês, de autoria de Aleijadinho, ele
desembarca todo mês em Salvador para passar as instruções referentes à
restauração.
“Utilizamos uma técnica de atuação que permite atacar todas as frentes do
restauro ao mesmo tempo”, destaca o restaurador.
Imagem
de Santa Úrsula passa por processo de limpeza e repintura
(Foto: Evandro Veiga)
(Foto: Evandro Veiga)
Em relação ao valor
do patrimônio recuperado, Antônio diz não saber mensurar. “É tão grande que
chega a ser sagrado”, conclui. .
Segundo o
historiador Pablo Iglesias Magalhães, o investimento na execução da
Catedral Basílica é o símbolo do poder dos jesuítas na segunda metade do
século 17.
Também é
espelho da ascensão econômica de Salvador. “A partir do século XVII, estávamos
saindo das guerras holandesas. A Bahia se viu livre de ameaças externas e o
dinheiro do açúcar passou a ser utilizado no embelezamento da cidade”, explicou
o historiador.
O projeto arquitetônico da catedral é de autoria do irmão Francisco Dias.
Restauração inclui reparos gerais da cobertura, rede elétrica e pintura
A intervenção contempla a restauração dos bens integrados e das imagens
de arte sacra, guardadas no interior da igreja, além de requalificar os espaços
internos. Também serão efetuados serviços para assegurar a conservação do
monumento, a exemplo de reparos gerais na cobertura, instalações
elétricas, impermeabilizações e tratamentos, além da pintura. “A equipe
de restauração também será responsável pela parte da eletricidade. É importante
para trabalharmos a iluminação de forma correta”, disse o restaurador
responsável pelo projeto de recuperação da catedral, Antônio Fernando dos
Santos.
Entre as partes mais
delicadas da requalificação está a recuperação do altar mor. Diversos quadros
de santos jesuítas foram restaurados e a cobertura de folhas de ouro está sendo
nivelada e recoberta com bolo armênio, umas espécie de massa vermelha. A
escultura de Santa Úrsula também é um dos objetos mais deteriorados pelo tempo
de e por intervenções anteriores mal feitas. Sua recuperação acontece no
atelier aos fundos do altar mor.
Restauração
da Catedral (Foto: Evandro Veiga)
|
Após três séculos de construção, igreja reúne
estilos diversificados
A Catedral Basílica foi a quarta igreja erguida pelos jesuítas para o antigo Colégio da Companhia de Jesus. Sua pedra fundamental foi lançada em 1665 e a conclusão só se deu após três séculos. Por esse motivo, a igreja não apresenta uma unidade arquitetônica. É possível observar as diferenças de estilos nas capelas laterais à nave, que trazem características renascentistas, barrocas e rococó. Já o altar- mor tem traços maneiristas - estilo que antecede o barroco.
“É um patrimônio para a cultura do país e até para
o mundo. Sua importância pode ser comparada à Igreja de Jesus, em Roma”, aponta
o superintendente do Iphan, Carlos Amorim. Considerada uma das igrejas de maior
valor artístico do Brasil, a catedral foi individualmente tombada pelo Iphan
como Patrimônio Cultural Nacional em 1938.
Restaurador responsável pela obra,
Antonio Fernando dos Santos destaca a coleção de móveis e arquiteturas da
catedral. “Do ponto de vista artístico, é uma coleção fantástica. A pintura de
perspectiva da sacristia, por exemplo, é incrível. É um trabalho magnífico
sobre placas de metal, provavelmente italianas”, ilustrou.
INTERVENÇÕES
Restauração das capelas: Capela-mor; altares de N. Senhora das Dores,
Santíssimo Sacramento, Santo Inácio de Loyola (Evangelho), São Pedro
(nave/Evangelho), Santana Mestra, Santos Mártires, São Francisco de Borja, N.
Senhora da Conceição, Santa Úrsula, Virgens Mártires, São José, São Francisco
Xavier (epístola).
Restauração das imagens: do Cristo Crucificado, Sagrado Coração de
Jesus, N. Senhora das Dores, Senhor Morto, Santo Inácio de Loyola, São Luiz
Gonzaga, São Stanislau Kotska, São Francisco Xavier, Santos Jesuítas, Santo Antônio,
São Pedro, São José / lírio - resplendor, Santana Mestra com resplendor,
São Francisco de Borja, N. Senhora da Conceição, Sagrada Família (séc.
XIX), Santa Úrsula; bustos das Virgens Mártires e de São Francisco de
Regis.
Após três séculos de construção, igreja reúne estilos
diversificados
A Catedral Basílica foi a quarta igreja erguida pelos jesuítas para o antigo
Colégio da Companhia de Jesus. Sua pedra fundamental foi lançada em 1665 e a
conclusão só se deu após três séculos. Por esse motivo, a igreja não apresenta
uma unidade arquitetônica. É possível observar as diferenças de estilos nas
capelas laterais à nave, que trazem características renascentistas, barrocas e
rococó. Já o altar- mor tem traços maneiristas - estilo que antecede o barroco.