sexta-feira, 17 de julho de 2015

Restauradores descobrem ouro sob pintura e 13 crânios em altar da Catedral Basílica


O investimento, de R$ 12 milhões, é proveniente do PAC Cidades Históricas, e a previsão de execução é de 18 meses

No mês passado, enquanto trabalhava no restauro da Catedral Basílica do Salvador, Seu João tomou um grande susto. Ao abrir o retábulo  da capela de Santo Inácio de Loyola - uma das 12 que compõem a igreja -, o mestre de obras se deparou com 13 crânios humanos sem qualquer identificação aparente. A surpresa mórbida, que   terá a origem investigada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi apenas uma das novidades reveladas no maior processo de restauração que a Catedral Primacial do São Salvador, localizada no Terreiro de Jesus, já passou.

Além de crânios, a riqueza do acervo também se revela à medida que o processo de recuperação, iniciado em janeiro, avança. O investimento, de R$ 12 milhões, é proveniente do PAC Cidades Históricas,  e a previsão de execução é de 18 meses.  

                 Além de capelas e altares, imagens sacras estão sendo recuperadas
(Foto: Evandro Veiga)
O processo de recuperação inclui a investigação de  quantas camadas de tinta as obras levaram em restaurações anteriores, até chegar às cores originais. “Usamos bisturi para abrir uma pequena janela nas obras. Uma solução química é aplicada até chegar ao original”, afirmou a arquiteta Lilian Fabre, uma das responsáveis pela restauração. Segundo ela, a qualidade da primeira pintura sempre supera a das que estão por cima.
Aos poucos, os quadros com imagens de santos jesuítas escurecidos pelo tempo podem ter suas imagens apreciadas com o trabalho dos operários que atuam das 7h às  17h no templo.
“É muito gratificante quando recuperamos um quadro ou descobrimos um desenho embaixo de outro. Faz com que redobremos o foco do trabalho”, afirmou ontem o restaurador Samuel Santos, 28.
Emergencial 
O cronograma das reformas começou a ser definido há quatro anos, com um levantamento de seis municípios baianos. “Desses, quatro foram escolhidos para iniciar  o programa. Entre eles, Salvador é o mais importante”, afirmou o superintendente do Iphan, Carlos Amorim.



Pesquisadores envolvidos na restauração estudam origem de crânios achados dentro de retábulo sob altar
(Foto: Evandro Veiga)
Antes de dar início à  recuperação das esculturas e pinturas, primeiro foi necessário revitalizar a estrutura da igreja. “As paredes estavam com muita infiltração. O telhado tinha muita vegetação e as calhas estavam entupidas”, explicou Lilian. “Poderíamos perder o trabalho, se não cuidássemos dessa parte”, continuou a arquiteta.
A infiltração do lado esquerdo foi a mais grave, segundo os restauradores. Os azulejos portugueses  que revestem o batistério estão sendo retirados para que a revitalização seja melhor executada.
Artista plástica e especialista em azulejos, Zeila Maria Machado comanda um equipe de seis pessoas especializadas no tratamento das peças, fabricadas em oficinas lisboetas. “É um trabalho minucioso e difícil por conta da degradação causada pela umidade do prédio”, explicou.
Gazes foram aplicadas sobre os azulejos que estão sendo removidos para evitar que trinquem durante a retirada, feita através de um motor que lembra aquele utilizado por dentistas.
A catedral passou por restaurações anteriores, porém, o Iphan não soube informar quantas e quando. Muitas dessas reformas não respeitaram as características arquitetônicas nem valorizaram os materiais das obras de artes. “Encontramos argamassa nos mármores. Até mesmo purpurina foi usada em áreas revestidas de ouro”, ilustro Lilian Fabre.
A arquidiocese é apontada como responsável por algumas dessas intervenções sem respaldo técnico. Entretanto, o  padre Lázaro Muniz, pároco da catedral,  afirma  que não houve reforma comandada pela Arquidiocese de Salvador. “Não tivemos intervenções feitas livremente. Todas foram fiscalizadas pelo Iphan”, comenta o padre. 


Em alguns locais, porém, a presença de pinturas sobre folhados de ouro também tem seu valor histórico. Isso porque o ouro era tão abundante na época que algumas tintas utilizadas eram, para os restauradores do período, ainda mais valiosas.


Segundo Lilian, quando o forro de madeira que recobre o átrio de entrada da basílica foi retirado, descobriu-se a presença de cupins. Agora ele será trocado por cedro e pintado de acordo com o original.  “Estamos usando os melhores produtos do mercado”, garantiu.

               Restauradora trabalha para recuperar azulejos de origem portuguesa
(Foto: Evandro Veiga)
Produtos
Os produtos químicos são trazidos de São Paulo.  Folhas de ouro de 23 quilates  estão sendo importadas de Florença, na Itália, para recobrir a igreja.

Onde havia massa corrida, será aplicada madeira e resina. As esculturas recebem tratamento individual no atelier hoje implantado na antiga biblioteca dos jesuítas, aos fundos do altar mor.
O restaurador e professor mineiro Antonio Fernando dos Santos, um dos mais conceituados do Brasil, é o responsável pela supervisão do processo.  
Responsável pelo resgate da imagem de Nossa Senhora das Mercês, de autoria de Aleijadinho, ele desembarca todo mês em Salvador para passar as instruções referentes à restauração. 

“Utilizamos uma técnica  de atuação que permite atacar todas as frentes do restauro ao mesmo tempo”, destaca o restaurador.



                   Imagem de Santa Úrsula passa por processo de limpeza e repintura
(Foto: Evandro Veiga)
Em relação ao valor do patrimônio recuperado, Antônio diz não saber mensurar. “É tão grande que chega a ser sagrado”, conclui. .
Segundo o historiador Pablo Iglesias Magalhães, o investimento na execução da Catedral  Basílica é o símbolo do poder dos jesuítas na segunda metade do século 17.
Também é  espelho da ascensão econômica de Salvador. “A partir do século XVII, estávamos saindo das guerras holandesas. A Bahia se viu livre de ameaças externas e o dinheiro do açúcar passou a ser utilizado no embelezamento da cidade”, explicou o historiador. 


O projeto arquitetônico da catedral é de autoria do irmão Francisco Dias.


Restauração inclui reparos gerais da cobertura, rede elétrica e pintura
A intervenção contempla a restauração dos bens integrados  e das imagens de arte sacra, guardadas no interior da igreja, além de requalificar os espaços internos. Também serão efetuados serviços para assegurar a conservação do monumento, a exemplo de reparos gerais na cobertura, instalações elétricas,  impermeabilizações e tratamentos, além da pintura. “A equipe de restauração também será responsável pela parte da eletricidade. É importante para trabalharmos a iluminação de forma correta”, disse o restaurador responsável pelo projeto de recuperação da catedral, Antônio  Fernando dos Santos.


Entre as partes mais delicadas da requalificação está a recuperação do altar mor. Diversos quadros de santos jesuítas foram restaurados e a cobertura de folhas de ouro está sendo nivelada  e recoberta com bolo armênio, umas espécie de massa vermelha. A escultura de Santa Úrsula também é um dos objetos mais deteriorados pelo tempo de e por intervenções anteriores mal feitas. Sua recuperação acontece no atelier aos fundos do altar mor.

Restauração da Catedral (Foto: Evandro Veiga)

Após três séculos de construção,  igreja reúne estilos diversificados

A Catedral Basílica foi a quarta igreja erguida pelos jesuítas para o antigo Colégio da Companhia de Jesus. Sua pedra fundamental foi lançada em 1665 e a conclusão só se deu após três séculos. Por esse motivo, a igreja não apresenta uma unidade arquitetônica. É possível observar as diferenças de estilos nas capelas laterais à nave, que trazem características renascentistas, barrocas e rococó. Já o altar- mor tem traços maneiristas - estilo que antecede o barroco.

“É um patrimônio para a cultura do país e até para o mundo. Sua importância pode ser comparada à Igreja de Jesus, em Roma”, aponta o superintendente do Iphan, Carlos Amorim. Considerada uma das igrejas de maior valor artístico do Brasil, a catedral foi individualmente tombada pelo Iphan como Patrimônio Cultural Nacional em 1938. 

Restaurador responsável pela obra, Antonio Fernando dos Santos destaca a coleção de móveis e arquiteturas da catedral. “Do ponto de vista artístico, é uma coleção fantástica. A pintura de perspectiva da sacristia, por exemplo, é incrível. É um trabalho magnífico sobre placas de metal, provavelmente italianas”, ilustrou.

INTERVENÇÕES
Restauração das capelas: Capela-mor; altares de N. Senhora das Dores, Santíssimo Sacramento, Santo Inácio de Loyola (Evangelho), São Pedro (nave/Evangelho), Santana Mestra, Santos Mártires, São Francisco de Borja, N. Senhora da Conceição, Santa Úrsula, Virgens Mártires, São José, São Francisco Xavier (epístola).

Restauração das imagens: do Cristo Crucificado, Sagrado Coração de Jesus, N. Senhora das Dores, Senhor Morto, Santo Inácio de Loyola, São Luiz Gonzaga, São Stanislau Kotska, São Francisco Xavier, Santos Jesuítas, Santo Antônio, São Pedro, São José / lírio - resplendor, Santana Mestra com resplendor,  São Francisco de Borja, N. Senhora da Conceição, Sagrada Família (séc. XIX),  Santa Úrsula; bustos das Virgens Mártires e de São Francisco de Regis.

Após três séculos de construção,  igreja reúne estilos diversificados
A Catedral Basílica foi a quarta igreja erguida pelos jesuítas para o antigo Colégio da Companhia de Jesus. Sua pedra fundamental foi lançada em 1665 e a conclusão só se deu após três séculos. Por esse motivo, a igreja não apresenta uma unidade arquitetônica. É possível observar as diferenças de estilos nas capelas laterais à nave, que trazem características renascentistas, barrocas e rococó. Já o altar- mor tem traços maneiristas - estilo que antecede o barroco.

Fonte: Jornal Correio – por Luana Amaral – Edição de 17-07-2015